Emissões Otoacústicas

Fonte: Hayes Potter - Unsplash / Imagem meramente ilustrativa.

Anatomia da Orelha

Para entendermos melhor o que são as emissões otoacústicas precisamos relembrar a anatomia da orelha humana.
A orelha é dividida em três partes: externa, média e interna.
A orelha externa também é formada por três partes: o pavilhão auricular, que capta os sons do meio ambiente, levando-os para a segunda parte, o canal auditivo externo, que por sua vez os conduz para o tímpano, que é a terceira parte.
A orelha média (formada por três ossículos chamados martelo, bigorna e estribo), tem unicamente a função de transmitir os sons da orelha externa para a interna, amplificando-os simultaneamente.
A orelha interna (ou labirinto) apresenta duas divisões, sendo que uma delas está localizada mais posteriormente (o vestíbulo – responsável pelo equilíbrio do corpo, cuja doença é conhecida popularmente como “labirintite” – veja artigo sobre este tema) e a outra, mais anteriormente, ou seja, mais para frente (a cóclea – responsável pela audição).
A cóclea, que nos interessa em especial neste artigo, é um tubo (composto de três tubos mais finos), enrolado sobre si mesmo, com a aparência semelhante à de um caracol (do gr. kochlías, 'caracol', 'espiral', pelo lat. Cochlea).
Cóclea “desenrolada”


Se desenrolarmos a cóclea, esquematicamente, teremos os três tubos assim dispostos:
- Superior – chamado de Rampa Vestibular;
- Médio – chamado de Rampa Média ou Canal Coclear, onde está localizado o Órgão de Corti, e
- Inferior – chamado de Rampa Timpânica.
A rampa vestibular, numa extremidade, apresenta a pela janela oval, que a separa da orelha média e é fechada pelo estribo, e contém a perilinfa, um líquido semelhante ao líquido extracelular, rico em sódio. Na extremidade oposta à janela oval apresenta-se uma abertura (helicotrema, através da qual a rampa vestibular se comunica com a rampa timpânica).
A rampa média, ou canal coclear, é um tubo fechado, e contém a endolinfa, um líquido semelhante ao líquido intracelular, rico em potássio. Dentro do canal coclear está uma das estruturas mais importantes em termos de audição, que é o Órgão de Corti. Ele está em cima da membrana basilar e é composto por três fileiras de células ciliadas externas (num total de 10.000 a 14.000) e uma fileira de células ciliadas internas (num total de 3.500). Esta quantidade é relativamente baixa em se tratando de quantidade de células do corpo humano, ainda mais se considerarmos a alta importância da função e que uma vez lesadas não se recuperam mais.
A rampa timpânica comunica-se numa extremidade com a rampa vestibular, através da helicotrema, e na outra extremidade encontramos a janela redonda, fechada por uma membrana elástica que funciona como uma janela de descompressão e que também a separa da orelha média. Contém o mesmo líquido da rampa vestibular, rico em sódio.
Quando um som chega à cóclea, através da vibração do estribo, ocorre uma “onda” na perilinfa, começando na rampa vestibular e se dirigindo para a rampa timpânica. No trajeto esta “onda” provoca oscilações ou deslocamentos da membrana vestibular, da membrana tectorial e da membrana basilar.
Corte transversal da cóclea.

Os sons de alta freqüência (agudos) têm pouca energia e provocam ondas que terminam perto do estribo e os de baixa freqüência (graves), com muita energia, percorrem toda a rampa atingindo as células ciliadas longe do estribo. No local em que a onda termina há uma dissipação de energia e conseqüentemente uma deflexão máxima das membranas, em especial da basilar. Para que a onda se propague há necessidade da descompressão do sistema, uma tarefa realizada pela janela redonda.
Durante as vibrações da membrana basilar os cílios das células ciliadas entram em íntimo contato com a membrana tectorial. Nos pólos inferiores das células ciliadas há ligações (sinapses) com os neurônios que formam o nervo coclear (nervo auditivo).

Definição
As células ciliadas externas não possuem capacidade de atuar diretamente na audição. No entanto, apresentam dois tipos de contração, uma rápida e outra lenta. A energia mecânica liberada pela contração rápida destas células, em outras palavras, o ruído produzido pela contração, é a emissão otoacústica, uma energia que é transmitida pela cadeia ossicular (em sentido inverso ao percorrido pelo som que ouvimos), chegando ao meato auditivo externo, onde pode ser captada por microfones supersensíveis e registrada por equipamentos específicos.
Para que a emissão otoacústica seja captada no meato auditivo externo há necessidade de integridade da orelha média e o meato auditivo externo deve estar totalmente desobstruído e que não possua um calibre muito reduzido.

Funcionamento da Cóclea
A cóclea funciona através de dois mecanismos, um passivo e outro ativo.
mecanismo passivo é desencadeado por sons de 40 a 60 dB NPS. A energia sonora é suficiente para mover os estereocílios das células ciliadas internas, o que leva à despolarização da própria célula e liberação de substâncias (a principal é a acetilcolina) que produzem um potencial de ação no nervo acústico, transmitindo a mensagem até o sistema nervoso central.
mecanismo ativo é desencadeado por sons abaixo de 40 dB. A energia movimenta os estereocílios das células ciliadas externas, abrindo os canais de potássio, o que despolariza a célula e muda o seu comprimento. Isto provoca maior movimento do ducto coclear, o que gera inclinação dos estereocílios das células ciliadas internas e em conseqüência ocorre também o mecanismo passivo, transmitindo a mensagem até o sistema nervoso central.

Tipos de Emissões Otoacústicas
Há dois tipos de emissões otoacústicas: as espontâneas e as evocadas. As evocadas podem ser transitórias, por produto de distorção e por estímulo-frequência.
Espontâneas. Acredita-se que o mecanismo natural de amplificação coclear, a disposição das células ciliadas externas ou a presença de microlesões assintomáticas podem provocar alterações na função coclear e, conseqüentemente, gerar emissões otoacústicas na ausência de estimulação sonora. Não têm valor clínico definido.
Evocadas. São aquelas geradas em resposta a um estímulo acústico.
- Transitórias (ou transientes). São resultantes de estímulos passageiros, transitórios. São registradas em 98-99% das pessoas com audição normal. Representam uma resposta “global” da cóclea.
- Produto de Distorção. São resultantes do estímulo de dois tons puros, simultâneos, que geram o produto de distorção, pois a cóclea é incapaz de amplificar de forma linear os dois tons puros. Pode-se avaliar a função coclear desde a sua base até o ápice, analisando-se freqüência por freqüência, separadamente. O exame usualmente é realizado nas freqüências 1500, 2000, 2500, 3200 e 4000 Hz. O melhor desempenho do exame está na freqüência 4000 Hz e por isso o exame é mais recomendado para monitorização da função da cóclea nos casos de perda auditiva induzida por ruído, lesão por drogas ototóxicas, como a quimioterapia, entre outras.
- Estímulo-frequência. São evocadas após um sinal contínuo e por isso há uma grande dificuldade de separar estímulo de resposta, tornando de difícil aplicação na prática clínica.

Indicações da Pesquisa de Emissões Otoacústicas
1. Suspeita de perda auditiva em crianças com comprometimento neurológico ou psíquico (lesões no encéfalo, autista), que não têm condições de responder à audiometria tonal. Quando ausentes significam uma lesão coclear nas células ciliadas externas com perda auditiva igual ou superior a 50 dB. Quando presentes significam cóclea íntegra e havendo perda auditiva comprovada por outras provas diagnósticas devemos estar frente a uma lesão retrococlear. Os casos de emissões otoacústicas por produto de distorção presentes nas freqüências baixas com ausência de respostas no BERA significam perda de grau leve a moderado nas freqüências altas, com traçado audiométrico de uma curva descendente.
2. Diagnóstico diferencial entre perda auditiva sensorial e neural. As emissões otoacústicas têm sido um dado importante para diferenciar estes tipos de perda auditiva, pois têm origem pré-neural. A lesão pode ocorrer:
- Nas células ciliadas externas: lesões por ototóxicos, perda auditiva induzida por ruído e meningite, havendo ausência de emissões.
- Nas células ciliadas internas: a perda auditiva retrococlear superior a 50 dB com presença de emissões otoacústicas significa que há lesão das células ciliadas internas, no nervo coclear (neurinoma do acústico) ou nas vias auditivas centrais, ou poderá tratar-se de um simulador. É importante registrar que o neurinoma poderá comprimir a irrigação coclear, provocando uma lesão, e causar uma redução ou ausência de emissões otoacústicas.
3. Diagnóstico e acompanhamento de indivíduos com PAIR – perda auditiva induzida por ruído. Tendo em vista a susceptibilidade das células ciliadas externas aos ruídos superiores a 80 dB tem sido notada a ausência de emissões otoacústicas nas freqüências altas antes de se comprovar perda auditiva através da audiometria tonal.
4. Monitoramento do uso de drogas ototóxicas (aminoglicosídeos, quimioterápicos, aspirina). A amplitude das respostas de emissões otoacústicas é menor e detectada precocemente nos grupos de indivíduos que fazem uso de tais drogas como aminoglicosídeos e quimioterápicos e que mais tarde irão apresentar lesão coclear.
5. Diagnóstico de disfunções cocleares. Na Doença de Ménière geralmente encontramos em alguns casos presença e, em outros, ausência de emissões otoacústicas, mas o detalhe é que há divergência dos resultados das emissões otoacústicas com os resultados dos audiogramas do mesmo paciente. Por outro lado, pacientes com zumbido e com audiogramas normais podem apresentar alterações nas emissões otoacústicas e geralmente há alterações metabólicas concomitantes.
6. Tratamento e prognóstico da surdez súbita. A surdez súbita com emissões otoacústicas presentes e audiograma com perda “neurossensorial” apontam para lesão retrococlear e a indicação de medicação para a cóclea é ineficaz.
7. Monitoramento da função coclear. Os indivíduos expostos a ruídos, medicamentos ototóxicos – aminoglicosídeos, quimioterápicos (cisplatina é pior que a carboplatina), aspirina (reversível, comprovada pelas emissões espontâneas e transitórias) –, bem como os portadores de doenças metabólicas, Doença de Ménière e surdez súbita idiopática podem ser monitorados com a pesquisa de emissões otoacústicas.
8. Triagem auditiva neonatal. Uma das mais importantes indicações da pesquisa de emissões otoacústicas é na triagem neonatal, pois o diagnóstico precoce aliado à correta intervenção precoce minimiza os efeitos potencialmente maléficos nesta faixa etária. Tem-se notado que 30-50% das crianças com perda auditiva neonatal não estão incluídas nos grupos de risco e, portanto a indicação universal tem sido aplicada com a pesquisa de emissões otoacústicas e BERA. A idade mais indicada é a partir de cinco dias de vida nos nascidos a termo e de trinta e sete semanas pós-concepcional nos pré-termo.
9. Triagem auditiva em escolares. As emissões otoacústicas transitórias estão ausentes a partir de perdas de 25 dB e são indicadas para triagem em escolares simultaneamente à curva timpanométrica.

Conclusão
A pesquisa de emissões otoacústicas é procedimento objetivo, rápido, não invasivo, de custo relativamente barato e que tem grande importância no diagnóstico diferencial das patologias que afetam as vias auditivas. Interpretadas ao lado de outras provas diagnósticas, comportamentais, psicoacústicas ou eletrofisiológicas, diferenciam, especialmente, as lesões sensoriais das neurais.

Atenção!

Esse texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um ou vários profissionais e não se caracteriza como sendo um atendimento.

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